Todos os olhos na Serra da Gandarela (ou Serra do Gandarela)
matéria de MARINA UTSCH, Belo horizonte, mg, brasil.
blog coluna meio ambiente
Ambientalistas e participantes de movimentos sociais apresentaram ontem (21/10/2009) aos universitários da Faculdade de Ciências Biológicas da UFMG um dossiê sobre o andamento das atividades para futura exploração mineral da Serra da Gandarela (Ou Serra do Gandarela).
Anunciada na semana passada como um investimento apoiado pelo governador Aécio Neves, a exploração de minério de ferro na Serra da Gandarela pela Cia. Vale deve custar mais de 4 bilhões de reais. Os ambientalistas, integrantes do Conlutas e do Movimento pelas Serras e Águas de Minas, criticaram a postura do governo em apoiar o empreendimento, já que a obra nem sequer recebeu ainda aval do Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental), não tendo sido realizados estudos aprofundados sobre os impactos ambientais, sociais, arqueológicos e históricos.
A Serra da Gandarela (Serra do Gandarela), localizada entre Rio Acima, Santa Bárbara, Caeté e Ouro Preto (próximo à Serra de Catas Altas – outro refúgio ecológico), é um dos últimos remanescentes intactos do Quadrilátero Ferrífero. Nela são encontradas biomas como Mata Atlântica, Cerrado e ainda avegetação de canga, típica de locais onde há minério. Esse tipo de vegetação, por causa do interesse econômico na exploração do minério de ferro, corre risco de desaparecer sem que sua biodiversidade seja conhecida e mapeada.
Outra questão preocupante, repetida diversas vezes pelos ambientalistas que conduziram a palestra, é o fato de que “onde há minério, há água”. Na Serra da Gandarela nascem importantes mananciais que abastecem asbacias do Rio Doce e do São Francisco. Os impactos da mineração sobre esses mananciais serão irreversíveis e não se sabe o que pode acontecer até mesmo com o fornecimento de água para Belo Horizonte.
Segundo o jornalista Gustavo Gazzinelli, do Movimento pelas Serras de Águas de Minas, a Serra da Gandarela é a mais significativa fonte de água limpa do Alto rio das Velhas, especialmente a montante da captação de Bela Fama, isto é, antes ou acima dela. A margem esquerda, por causa das atividades das minas do Pico (de Itabirito), Tamanduá, Capitão do Mato, Mar Azul e Capão Xavier, sofre uma redução do número de nascentes. E são exatamente essas águas do Velhas, da captação de Bela Fama, a principal fonte de abastecimento da cidade: 60% da água que abastece Belo Horizonte e cerca de 45% da água que abastece a Região Metropolitana.
Com a exploração da Mina Apolo, haverá uma barragem de rejeitos e uma pilha de estéril que devem afetar permanentemente a Serra da Gandarela. São 1800 hectares de obra (1800 campos de futebol)! A informação ainda não é oficial; aliás muito pouco se sabe sobre a obra porque a empresa mantém sigilo e pouco se manifesta. Na edição 54 da Revista do Projeto Manuelzão há mais detalhes sobre a obra, mas também nenhum pronunciamento daVale, que se negou a dar esclarecimentos mais aprofundados.
Água
O que se colhe aqui e acolá é que, com a Mina Apolo, a Vale quer garantir a continuidade de sua produção de minério de ferro, substituindo suas outras minas em Minas Gerais que já estão se esgotando: duas em Itabirito e a mina de Brucutu, em Barão de Cocais. O problema, segundo os ambientalistas, é garantir investimentos às custas de destruir fontes de recarga de água que já foram classificadas como “água tipo especial” e “água tipo 1”, ou seja, a água mais pura e limpa que existe. O risco que se corre com a exploração do Quadrilátero Ferrífero até a sua exaustão é acabar com esses mananciais, que podem ser considerados patrimônios das "Minas de Águas Gerais", apelido que tem sido dado ao Estado pelos amantes de sua natureza .
A água que se bebe na cidade já se encontra altamente clorada. Alguns abastecimentos de Minas já vem de parte poluída do Rio das Velhas que é submetido a um processo de desinfecção. Outros, que bebem água mineral, mal sabem como é o processo de retirada e envase dessa água. Aquela “água direto da fonte”, é muitas vezes uma fonte subterrânea, que é perfurada. Ali sai uma água quente que é resfriada. Que tipo de vida há nessa água que se bebe? (ou falta de vida?)
Essa água, como a água da Serra da Gandarela, que sai diretamente de nascentes, pura das raízes das plantas, filtrada pela terra, é um tipo de água incomum, que poucos hoje em dia tem a oportunidade de beber.
(A palestra mostrou ainda as ruínas que são encontradas na Gandarela. Ali era caminho de tropeiros que iam de Ouro Preto a Santa Bárbara, num dos trechos mais importantes da Estrada Real, único local de passagem da Serra do Espinhaço, conhecido como Bocaina. Animais como lobo-guará e pássaros silvestres também são encontrados. Enfim, um patrimônio não mapeado que corre risco, já que a obra da Mina Apolo já foi abraçada praticamente como coisa garantida pelo Governo do Estado, sem ter sequer ainda passado pelo processo regular de licenciamento. No ano passado, a Vale tentou licenciar a obra de forma fracionada para facilitar o processo, pleiteando um tipo de licença simplificado, a AAF- Autorização Ambiental de Funcionamento. Só que isso é ilegal. Uma obra desse porte precisa obter a licença nos moldes regulares: licença prévia, licença de operação, licença de instalação. A sociedade precisa ficar de olho.)
Sempre que se fala em investimentos, o que mais conta para a adesão popular a uma obra com impactos ambientais graves é a geração de empregos e o aumento do PIB (Produto Interno Bruto) do Estado.
O que está cada vez mais claro em Minas Gerais, segundo alguns estudiosos do assunto, é que nem sempre o desenvolvimento que a mineração traz é um desenvolvimento sustentável. Cidades inteiras como Itabira são dependentes da exploração mineral, e quando a mina se esgota, a cidade, que se tornou mono-industrial, não tem alternativa de sobrevivência.
Ao problema das cidades mono-industriais, dependentes de uma empresa apenas, segue-se portanto a poluição e o baixo retorno em termos financeiros para a cidae que abriga a indústria minerária. O repasse do royaltie que é cobrado das empresas para beneficiar os municípios é ridículo se comparado aos impactos ambientais e sociais gerados pela mineração na cidade.
Esse royaltie (uma espécie de imposto de nome Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais - CFEM) - cai num fundo único, demora pra chegar na cidade e é a menor taxa sobre mineração do mundo. As empresas pagam menos de 3% sobre o valor do seu faturamento líquido (ou seja, menos de 3% de seu lucro). Austrália, Canadá, todos os países onde se minera tem taxas maiores. Não é a toa que as grandes empresas continuam querendo investir no Brasil, mesmo com as jazidas mais ricas de minério se acabando (hematita) e sobrando só um tipo de minério menos concentrado.
Acompanhem as notícias e e-mails, pois, segundo os movimentos, a sociedade civil organizada vai reagir para tentar impedir essa obra.